O
câncer de mama
avançado de Fern Saitowitz foi controlado por cerca de um ano pelo
medicamento Herceptin e um agente quimioterápico tóxico. Mas o cabelo
dela caiu, as unhas ficaram pretas e ela se sentia constantemente
cansada.
Saitowitz mudou de tratamento e começou a se
submeter a um método experimental, que também consistia em tomar
Herceptin e um agente quimioterápico. Dessa vez, porém, as duas drogas
estavam ligadas uma à outra, mantendo o agente tóxico inativo até que o
Herceptin o levasse diretaente ao tumor. Os efeitos colaterais, com a
exceção de náuseas temporárias e algumas cãibras musculares,
desapareceram.
“Eu posso ter uma vida normal. Meu cabelo não caiu”, diz Saitowitz, de 47 anos, mãe de dois filhos, que vive em Los Angeles.
Leia:
Pequeno
dicionário dos tratamentos de câncer
O tratamento experimental, chamado T-DM1, prenuncia uma nova classe de medicamentos contra o
câncer
que podem ser mais eficazes e menos tóxicos do que muitos tratamentos
existentes. Ao se ligar a anticorpos para distribuir cargas tóxicas para
células cancerígenas, enquanto as células saudáveis são, em grande,
parte poupadas, os medicamentos estão mais perto das “soluções mágicas”
contra o câncer, originalmente imaginadas por Paul Ehrlich, alemão
laureado com o Nobel, cerca de 100 anos atrás.
“É quase como se estivéssemos mascarando a
quimioterapia", explica Edith Perez, especialista em câncer de mama da
Clínica Mayo, de Jacksonville, Flórida.
Uma dessas drogas, o Adcetris, desenvolvido pela Seattle
Genetics, foi aprovado em agosto passado para o tratamento de
linfoma de Hodgkin
e outro câncer raro. O T-DM1, desenvolvido pela Genentech, pode chegar ao mercado americano no ano que vem.
Várias outras empresas, desde gigantes farmacêuticas até
pequenas startups, estão pesquisando esses tratamentos, conhecidos de
diferentes maneiras, desde medicamentos conjugados de anticorpos e
anticorpos armados até anticorpos aditivados.
“Acho que todas as farmacêuticas de médio ou grande porte
que têm interesse no câncer. As que não têm um programa de pesquisa
voltado para esses medicamentos estão lutando para colocá-lo em
prática”, afirma Stephen Evans-Freke, sócio-gerente da Celtic
Therapeutics, uma empresa de investimentos que recentemente destinou 50
milhões de dólares à criação de uma nova startup, a ADC Therapeutics,
para desenvolver medicamentos conjugados de anticorpos.
Cerca de 25 dessas drogas estão passando por testes
clínicos em uma variedade de empresas, de acordo com Alain Beck,
pesquisador farmacêutico francês que acompanha de perto o campo. Só a
Genentech está conduzindo oito ensaios clínicos, além do T-DM1 e outros
17 em estágios iniciais de desenvolvimento.
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Muitas das drogas utilizam a tecnologia da Seattle
Genetics, com sede em Bothell, Washington, ou da ImmunoGen, de Waltham,
Massachusetts, que forneceu a toxina e o agregador usados no T-DM1.
Os anticorpos armados não funcionam para todos os
pacientes e não estão totalmente livres de efeitos colaterais. O T-DM1,
por exemplo, pode diminuir os níveis de plaquetas no sangue. As drogas
também podem custar caro. O Adcetris custa mais de 100 dólares por uma
conduta típica de tratamento.
Os medicamentos biotecnológicos chamados de anticorpos
monoclonais, como Herceptin, Rituxan e Erbitux, já são pilares do que é
conhecido como terapia direcionada de câncer. Essas moléculas,
produzidas em laboratório, imitam os anticorpos produzidos pelo sistema
imunológico do ser humano para combater infecções. Mas, em vez de atacar
agentes patogênicos, esses anticorpos se ligam a proteínas específicas
na superfície das células cancerígenas.
Porém, os anticorpos em si têm uma capacidade limitada de matar os
tumores
. Assim, os anticorpos normalmente recebem mais medicamentos
quimioterápicos convencionais, que matam as células. Só que como que
eles também podem atacar as células saudáveis, causam efeitos
colaterais. O novo método acopla quimicamente uma toxina ao anticorpo,
aumentando seu poder de matar os tumores e reduzindo a necessidade de
administrar drogas tóxicas separadamente. Após o anticorpo se ligar a
uma célula cancerígena, ele é levado para dentro da célula como um
cavalo de Troia, e a toxina é liberada.
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Embora os anticorpos armados sejam por vezes comparados a
mísseis guiados com ogivas tóxicas, eles na verdade não podem se guiar
sozinhos aos tumores. Em vez disso, flutuam pela corrente sanguínea,
colidindo contra várias células. Mas aderem apenas às células portadoras
da proteína-alvo.
“São como minas marítimas flutuantes que, quando chegam a
um porto específico, explodem”, explica K. Dane Wittrup, professor de
Engenharia Química e Biológica do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts. Menos de 1% da droga chega realmente ao tumor, estima
ele.
O anticorpo utilizado na Adcetris, que se liga a uma
proteína de células malignas chamada CD30, teve pouco efeito sobre o
câncer quando testado isoladamente, mesmo em doses 20 vezes mais
elevadas que a utilizada agora. Porém, quando ligado a uma toxina,
diminuiu os tumores de pessoas com linfoma de Hodgkin em 75%.
Aimee Blaine, engenheira petroquímica de Bakersfield,
Califórnia, que tinha linfoma de Hodgkin desde 2004, estava praticamente
sem opções após se submeter, sem sucesso, a uma quimioterapia
tradicional e a um transplante de células-tronco
. Porém, quatro dias depois de tomar Adcetris em um ensaio clínico, o
insuportável prurido que acompanhava a sua doença desapareceu, contou
ela. Assim como o câncer, sem seguida.
Blaine, de 40 anos, está em remissão desde a última dose
que tomou, em janeiro de 2011, e recentemente voltou a trabalhar pela
primeira vez em sete anos. Como o Herceptin, o T-DM1 se liga ao que é
conhecido como a proteína HER2 e se destina a tratar apenas cerca de 20%
de casos de câncer de mama, caracterizados por uma abundância dessa
proteína.
Em um estudo que envolveu 137 mulheres, incluindo
Saitowitz, o T-DM1 mostrou ser mais eficaz e menos tóxico do que uma
combinação de Herceptin com o medicamento quimioterápico docetaxel como
tratamento inicial contra o câncer de mama metastático.
As participantes que receberam o T-DM1 levaram uma média
de 14,2 meses antes que a doença piorasse, comparada à média de 9,2
meses daquelas que utilizaram a combinação das duas drogas. No entanto,
apenas 46% das pacientes que tomaram T-DM1 sofreram um efeito colateral
grave, metade da taxa do outro grupo.
Embora seja fácil imaginar anticorpos armados, foram
necessárias mais de três décadas para torná-los práticos, com muitos
fracassos ao longo do caminho. No caso do Mylotarg, primeiro anticorpo
armado a chegar ao mercado, a toxina por vezes se soltava do anticorpo
antes da hora, causando efeitos colaterais. Aprovado em 2000 para tratar
leucemia
mieloide aguda, o Mylotarg foi retirado do mercado por seu fabricante, a
Pfizer, em 2010, após novos estudos mostrarem que ele não prolongava a
vida e apresentava problemas de segurança.
Desde então, dois anticorpos ligados a isótopos radioativos foram aprovados para o tratamento de linfoma não-Hodgkin
– o Bexxar, da GlaxoSmithKline, e o Zevalin, da Spectrum
Pharmaceuticals. Essas drogas, embora eficazes, são mais difíceis de
usar do que os anticorpos ligados a toxinas químicas.
Os pesquisadores primeiro tentaram usar drogas
quimioterápicas existentes como carga, mas elas simplesmente não eram
suficientemente tóxicas. Isso se deu porque uma quantidade menor da
droga chega ao tumor quando transportada sobre um anticorpo do que
quando ela aflui no organismo por si só.
A Seattle Genetics e a ImmunoGen utilizam toxinas
centenas de vezes mais potentes que os agentes quimioterápicos típicos.
Elas são tóxicas demais, de modo que não podem ser administradas
isoladamente. Os agregadores se mostraram ainda mais complicados de
desenvolver, uma vez que devem manter a toxina ligada ao anticorpo
enquanto ambos passam pela corrente sanguínea, mas depois liberar a
toxina no interior da célula cancerígena.
“Chegar a esse ponto é realmente uma sensação
indescritível”, afirma John Lambert, vice-presidente executivo de
pesquisa e desenvolvimento da ImmunoGen.
* Por Andrew Pollack